Por: Jerry Carvalho Borges
O genoma humano é composto por dois conjuntos de 23 unidades genéticas – os cromossomos – herdadas de nossos pais. A união dos gametas paterno e materno, cada um com um grupo de cromossomos (haploides), durante a reprodução sexuada, restabelece o padrão cromossômico da espécie (diploidia), garantindo um desenvolvimento harmonioso do organismo.
O genoma celular foi selecionado evolutivamente para agir de forma eficiente frente a diferentes estímulos ambientais. Por exemplo, foram desenvolvidos mecanismos para assegurar que o gameta feminino (ovócito) seja fecundado por apenas um dos cerca de 250 milhões de espermatozoides liberados em uma ejaculação masculina.
Alterações no número padrão de cromossomos podem resultar em problemas para o desenvolvimento do indivíduo. As síndromes de Down e de Klinefelter, causadas pela presença de um cromossomo a mais nos genomas celulares, e as síndromes de Turner e de Cri du Chat, relacionadas à falta de um cromossomo, são exemplos desses processos.
Em todos esses casos, os indivíduos afetados apresentam uma série de alterações anatômicas, morfológicas e fisiológicas em seus organismos e têm o seu desenvolvimento e expectativa de vida afetados.
Estudos indicam que a presença de cromossomos extras pode dificultar processos essenciais para a vida celular, como a formação das fibras do fuso mitótico, estrutura fundamental para a divisão celular.
Modificações mais drásticas nos genomas celulares associados com acréscimos de conjuntos inteiros de cromossomos paternos ou maternos (poliploidia) resultam, quase que invariavelmente, na inviabilização do desenvolvimento embrionário. Contudo, em raras ocasiões, embriões com três conjuntos de cromossomos, conhecidos como triploides, podem se desenvolver, pelo menos, por um determinado período.
Quebrando barreiras
Pesquisas recentes têm se debruçado sobre essas raras ocasiões e procurado esclarecer como podem se formar e se desenvolver, pelo menos durante algum tempo, embriões e fetos humanos com conjuntos extras de cromossomos.
Um dos mecanismos conhecidos que levam à formação de embriões triploides envolve a penetração de dois espermatozoides em um único ovócito. Contudo, para que isso ocorra, os gametas masculinos terão que suplantar as barreiras que impedem a ocorrência de uma dupla fecundação.
Para que ocorra a fecundação, o espermatozoide tem de ser capaz de penetrar o gameta feminino através de seus dois envoltórios. O primeiro desses envoltórios, denominado coroa radiata, é formado por até 20 camadas de células. O outro compreende a região conhecida como zona pelúcida, uma membrana glicoproteica que envolve a membrana plasmática do gameta feminino.
Imediatamente após a penetração do primeiro espermatozoide no interior do ovócito, ocorrem modificações que impedem a entrada de outros. Basicamente, alterações na polaridade da membrana dos ovócitos inviabilizam momentaneamente o seu contato com os espermatozoides, união essencial à penetração destes no citoplasma do gameta feminino.
Como esse processo tem duração restrita, posteriormente o ovócito libera enzimas que causam modificações permanentes na estrutura da zona pelúcida, impedindo assim outras fecundações.
Apesar da grande eficiência desse mecanismo, ocasionalmente mais de um espermatozoide penetra o citoplasma do ovócito, causando a formação de um zigoto triploide. É importante, contudo, não confundir a triploidia com a formação de gêmeos.
Gestações gemelares fraternas ou dizigóticas ocorrem quando há a produção ─ e consequente fecundação ─ de mais de um ovócito em um mesmo ciclo reprodutivo. Gêmeos idênticos ou monozigóticos, por sua vez, são formados por uma divisão posterior do embrião em desenvolvimento.
Falhas na divisão
Ao contrário do que se poderia supor, a triploidia é uma das mais frequentes anomalias observadas na gestação humana, ocorrendo em cerca de 1% a 3% das concepções. Análises citogenéticas e morfológicas indicam que de 15% a 18% dos embriões abortados espontaneamente são triploides.
Apesar disso, existem casos descritos de nascimentos de crianças triploides. No entanto, esses indivíduos normalmente morrem no início de sua vida pós-natal. Casos de crianças triploides que sobrevivem por períodos superiores a 60 dias são raríssimos.
Recentemente, pesquisadores da Universidade Estadual de Ohio, nos Estados Unidos, descreveram o caso de uma criança grega triploide (69 cromossomos) que sobreviveu por 164 dias. Análises realizadas por esses cientistas, liderados por Dimitrios Iliopoulos, indicaram que complicações respiratórias foram responsáveis pelo falecimento da criança.
Um levantamento realizado por equipe de pesquisadores liderada por Patricia Jacobs, da Universidade do Havaí, nos Estados Unidos, indicou que 66,4% dos casos de triploidia humana são resultado da união de dois espermatozoides com o ovócito. Mais raramente, esse processo pode ocorrer como resultado da fecundação de um ovócito por um espermatozoide diploide que teve problemas em sua meiose.
Alternativamente, um embrião triploide pode ser formado por 23 cromossomos paternos e por dois conjuntos cromossômicos maternos. Esse evento, conhecido como triploidia por diginia, tampouco está relacionado a uma dupla fecundação, mas sim com uma falha na primeira ou na segunda divisão da meiose do ovócito.
Erros na meiose fazem com que o ovócito, normalmente haploide, apresente-se com dois conjuntos cromossômicos e, ao ser fecundado pelo espermatozoide, torna-se triploide.
Na maioria dos casos, análises de embriões triploides indicam a presença de três pró-núcleos no interior do óvulo fecundado, provenientes dos núcleos haploides dos gametas masculinos e femininos. Contudo, óvulos resultantes da fecundação por espermatozoides diploides ou de ovócitos que tiveram falha em uma das etapas da meiose, apresentam dois pró-núcleos, assim como em óvulos fecundados normalmente.
Embriões descartados em procedimentos de fecundação assistida têm levado a avanços significativos na compreensão dos eventos que resultam na formação de embriões com conjuntos extras de cromossomos. Contudo, somente o encontro e o acompanhamento do desenvolvimento de algum desses raríssimos embriões poderão apontar os mecanismos celulares que permitem a sobrevivência, proliferação e diferenciação do embrião triploide até, em alguns casos, se alcançar o nascimento.Jerry Carvalho BorgesDepartamento de Medicina Veterinária
Universidade Federal de Lavras
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Olá! Adorei seu blog! Tentei me cadastrar para segui-lo, mas não encontrei a opção. Como faço? Gostaria de continuar acompanhando as publicações.
ResponderExcluirUm abraço! Marília, blog estudarehlegal.blogspot.com.br